
Fernando Gomes, antigo vice-presidente e administrador da SAD do FC Porto, depôs nesta segunda-feira no Tribunal São João Novo, no Porto, na 20.ª sessão do julgamento da Operação Pretoriano. O ex-dirigente focou as suas declarações do que presenciou na Assembleia Geral de 2023, na qual vários sócios do FC Porto foram agredidos por elementos associados aos Super Dragões.
«A revisão estatutária dizia respeito apenas ao clube», lembrou Fernando Gomes, 79 anos, economista e ex-administrador executivo na SAD, nomeadamente responsável financeiro e pelos recursos humanos, além de vice-presidente do clube sem pelouro específico entre 2020 e 2024.
«Lembro-me de ouvir falar vagamente da necessidade da revisão dos estatutos, por modernidade, mas nunca se falou muito intensamente. A Administração considerava que a revisão estatutária dizia respeito apenas ao clube. Nunca tive qualquer participação, nem fui consultado. Não estudei os estatutos minimamente, só comecei a verificar alguma coisa pela Comunicação Social por causa do alarido que surgiu. Recordo que o então presidente era contra alguns desses estatutos, sempre disse que era inoportuno. Nas reuniões de Direção isso nunca foi discutido. Foi sempre um assunto do Conselho Superior e da Assembleia Geral», disse em Tribunal o antigo administrador da SAD dos dragões, ilibando Pinto da Costa dos incidentes ocorridos na Assembleia Geral de novembro de 2023.
«Recordo o discurso de Pinto da Costa, mas é complicado avaliar as reações, dado o ruído presente. Os associados manifestaram-se, mas não consigo ser seletivo para dizer se aplaudiram ou houve vaias. Era um ambiente muito confuso», disse ainda sobre a Assembleia Geral.
Jorge Moreira Guimarães culpa Lourenço Pinto
Entretanto, também Jorge Moreira Guimarães, 79 anos, advogado, presidente do Conselho Fiscal à altura e que solicitou a Lourenço Pinto, então presidente da mesa da AG, para interromper a reunião de sócios, prestou depoimento. «Fiz parte do Conselho Fiscal de 2017 a 2024 e também parte da Comissão de revisão dos estatutos com muito gosto. Nunca fui abordado em qualquer circunstância por ninguém por causa dos estatutos. Nenhuma pressão. Em julho de 2023 a Comissão concluiu a sua proposta. A reunião está documentada em ata pelos sete membros. Eram 84 artigos. Ficou decidido que jamais interferiríamos com o ato eleitoral. Por essa razão, o artigo 84, o único que criou a crispação, dizia que após lidos e aprovados, entrariam em vigor só após o ato eleitoral. Não foi assim que foi redigido», começou por registar a testemunha.
«Lourenço Pinto na abertura dos trabalhos fez uma intervenção, criticando o que considerei palavras desagradáveis para com os membros, dizendo que ‘era irracional, não tinha lógica e sustentação jurídica, que uma revisão estatutária só entrasse em vigor após o ato eleitoral’. A alteração fez-se por causa de Lourenço Pinto, pouco comedido para um presidente da AG. Foi aí que, contra a nossa vontade, a proposta foi aceite pela esmagadora maioria dos cerca de 30 membros do Conselho Superior», disse ainda Jorge Carvalho, reconhecendo a sua intervenção acalorada na AG: «Disse a Lourenço Pinto, entre outas coisas, acaba com esta m…», frisou.
E prosseguiu: «’Tenho 40 anos de assembleias, não tenham dúvidas que vai correr tudo como o previsto’. Posteriormente houve uma reunião no gabinete de Cerejeira Namora onde relatei a minha preocupação e Cerejeira Namora mostrou-me uma mensagem do WhatsApp onde Lourenço Pinto dizia: ‘Não obrigado não preciso de ajuda para elaborar a AG’. A minha preocupação cresceu ainda mais», disse, sendo interrogado pela juíza Ana Dias para explicar a razão que o levou a sentir a necessidade de dirigir-se a Lourenço Pinto: «Após Pinto da Costa falar ouviu-se bocas da bancada, Miguel Brás da Cunha recebeu insultos e Hugo Cunha nem se fez ouvir. Não era o som do pavilhão. Depois Henrique Ramos falou e durante o tempo em que falou entrou em bate-boca com os associados sem qualquer intervenção do presidente da mesa. Quando Henrique Ramos se dirigiu ao seu local na bancada foi interpelado por Moreira de Sá e aí as coisas descambaram para o que seria devido numa reunião magna de sócios. Houve confrontos físicos, não foi uma batalha campal, mas foi inadmissível porque houve três confrontos físicos. Estava eu, Pinto da Costa e Fernando Gomes sentados no palanque. Em função do que se passou nas reuniões de 9, 10 e 11 de novembro, vi Pinto da Costa muito entristecido. Não pedi autorização de ninguém. Levantei-me do palanque, coloquei a minha cabeça entre Lourenço Pinto e Cerejeira Namora e transmiti-lhe tudo o que pensava. Nem sabia porque os trabalhos já não tinham sido suspensos no auditório. Aliás, falei com o Juiz Conselheiro Marques Fernandes ainda no auditório e ele disse-me ‘não sei o que este sujeito está à espera para interromper os trabalhos’. Não estou a chamar mentiroso a Pinto da Costa, mas ele deu uma entrevista posteriormente a dizer que falou comigo sobre o assunto para terminar com a AG. Foi uma forma gentil, porque na verdade Pinto da Costa nunca falou comigo na AG. Depois vi Fernando Saul a encaminhar Henrique Ramos para a saída do pavilhão», lembrou.
José Manuel Santos, presente na AG de 13 de novembro de 2023 como membro da mesa, também deu a sua versão dos factos ocorridos. «A convocação da Assembleia não passou por mim. Fui convocado para integrar a mesa três quatro dias antes. Coloquei-me disposição de Lourenço Pinto, disse-me que não era preciso nada, estava tudo tratado. Recordo-me que o alertei para uma série de problemas mediante o que estava a surgir na Comunicação Social. Não tive peso na decisão do lugar inicial da AG, nem do alternativo ou no recurso ou pavilhão», detalhou, prosseguindo: «As condições acústicas eram muito más. As colunas atrás de nós eram boas, mas havia muito ruído, devido a protestos das bancadas. Sócios não queriam início da AG porque havia muita gente lá fora. Diria que as condições eram muito más. Quando o Henrique Ramos regressou à bancada gerou-se uma grande confusão com seguranças, adeptos, empurrões. Lourenço Pinto ainda tentou retomar a AG, mas rapidamente percebeu que já não havia condições».
José Manuel Santos disse ainda que a elaboração da ata da AG gerou divisões entre os elementos da MAG. «Não foi elaborada logo a seguir. Como é apanágio das atas no FC Porto, desde que lá estive, elas eram produzidas muito próximo da assembleia seguinte. Também exerci papel de secretário. Quando fui chamado para assinar a ata é hábito nosso jantar antes. Qual foi o nosso espanto quando ainda não entreguei a ata que reflete a AG e deparei-me com uma ata produzida por Lourenço Pinto. Era muito sintética, ocultava vários factos desagradáveis da AG e com o qual não concordámos. Nos primeiros 15 dias de fevereiro, Lourenço Pinto queria reconhecer aquela ata e não nos revíamos no documento. Foi preciso partir muita pedra e Lourenço Pinto foi desagradável com Sardoeira Pinto. Lourenço Pinto não se apercebeu de várias coisas que aconteceram na AG. A divergência não era intencional, creio eu, devido à sua idade, que ouve mal, mas de percepções diferentes. Pode não ter ouvido várias coisas. Lourenço Pinto levantou-se da sala, disse que ia demitir-se, tive de ir atrás dele, bem como outro membros. Foi-se embora e ficamos sem documento algum», revelou, explicando depois o que se passou a seguir: «Passaram-se alguns dias e 28 de fevereiro fomos novamente convocados para tentar concluir a data. Também foi difícil, mas fez-se mais ou menos uma ata, que ainda assim não foi assinada naquele dia. Nós assinámos, mas Lourenço Pinto não, porque Lourenço Pinto comprometeu-se a entregar na PSP no dia seguinte e se não fosse a versão que pretendia entregaria a sua. Era um disparate, não podia haver duas atas. Só foi possível voltar a reunir no dia 1 de março no Dragão e aí foi preciso fazer uma negociação porque tínhamos de assumir que houve uma votação, quando na verdade não houve.»
De resto, foram também ouvidos o cantor Alberto Índio e Hugo Moreira dos Santos, antigo administrador da SAD ‘azul e branca’, que destacaram as valências de caráter de Fernando Madureira.
Os 12 arguidos da Operação Pretoriano, entre os quais o antigo líder dos Super Dragões Fernando Madureira, começaram em 17 de março a responder por 31 crimes no Tribunal de São João Novo, no Porto, sob forte aparato policial nas imediações. Em causa estão 19 crimes de coação e ameaça agravada, sete de ofensa à integridade física no âmbito de espetáculo desportivo, um de instigação pública a um crime, outro de arremesso de objetos ou produtos líquidos e ainda três de atentado à liberdade de informação, em torno da AG do FC Porto, ocorrida em 20 de novembro de 2023.Entre a dúzia de arguidos, Fernando Madureira é o único em prisão preventiva, a medida de coação mais forte, enquanto os restantes foram sendo libertados em diferentes fases.
Ouvido o depoimento de José Manuel Santos, a juíza deu a sessão por terminada. Ficam assim concluídas as audições às testemunhas, sendo que as alegações finais terão agora início no dia 30 de junho.